Após meses de disputas políticas, a União Europeia iniciou oficialmente na terça-feira um longo processo para cumprir a sua promessa de usar dinheiro derivado de ativos congelados do banco central russo para a reconstrução da Ucrânia.
A Comissão Europeia, o braço executivo do bloco, disse ter concordado com uma proposta que detalha uma forma legal de utilizar os juros auferidos e outros lucros destes activos, que são detidos em instituições financeiras europeias, em benefício da Ucrânia. Mas, ao contrário da prática habitual, a comissão não divulgou publicamente o seu conteúdo, reflectindo o quão politicamente complexo é o plano para muitos dos países membros.
O plano tem potencial para fornecer à Ucrânia até 3 mil milhões de euros (3,25 mil milhões de dólares) por ano, ou até 15 mil milhões de euros entre 2023 e 2027, disse um funcionário envolvido no processo que não estava autorizado a falar sobre o assunto publicamente. Mas esses números podem variar de acordo com as condições do mercado.
A proposta de terça-feira ainda tem um longo caminho a percorrer antes de poder ser implementada. Deve ser aprovado pelo Parlamento Europeu e por todos os 27 Estados-Membros, e espera-se que enfrente resistência por parte de alguns países. França, Alemanha e Itália manifestaram objecções, segundo o responsável, e a Hungria tem bloqueado um mecanismo de financiamento separado para Kiev, que os líderes deverão discutir numa cimeira no final desta semana.
Mas a tentativa de libertar dinheiro para a Ucrânia surge num contexto de preocupação crescente de que o apoio financeiro ao esforço de guerra esteja a diminuir entre os países europeus e os Estados Unidos.
O plano da comissão exige que as empresas de serviços financeiros que detêm activos congelados do banco central russo coloquem os lucros gerados a partir deles, tais como juros auferidos, em contas separadas, de acordo com a proposta vista pelo The New York Times. Os Estados-Membros decidirão como esses lucros deverão então ser direcionados para a Ucrânia, afirmava a proposta, abrindo as portas a mais uma negociação prolongada. O plano não utiliza os ativos, cujo saldo permanecerá intacto.
O âmbito limitado da proposta é também uma tentativa de responder às preocupações sobre futuras reivindicações legais de dinheiro por parte da Rússia. As receitas “não constituem activos soberanos e não têm de ser disponibilizadas ao Banco Central da Rússia ao abrigo das regras aplicáveis”, segundo o documento ao qual o The Times teve acesso.
Depois da Rússia ter invadido a Ucrânia no ano passado, as nações ocidentais tomaram uma medida invulgar ao congelar mais de 330 mil milhões de dólares em activos do banco central russo detidos no estrangeiro. Mas como os pagamentos à Rússia foram bloqueados por sanções, o dinheiro gerado a partir destes activos permaneceu preso no estrangeiro, com a maior parte da soma, mais de 217 mil milhões de dólares, congelada na União Europeia. Quase a totalidade é detida na Bélgica pela Euroclear, uma empresa de serviços financeiros.
A Euroclear precisou investir o dinheiro extra para evitar acumular riscos financeiros adicionais. Nos primeiros nove meses deste ano, esses investimentos geraram lucros de cerca de 3 mil milhões de euros, de acordo com as últimas demonstrações financeiras da Euroclear.
O tom discreto do anúncio de terça-feira contrastou com as declarações ruidosas feitas no início do ano pelos principais responsáveis do bloco para “fazer a Rússia pagar” pela guerra. Mas uma proposta legal foi adiada duas vezes devido a divergências entre os Estados-membros, preocupações levantadas pelo Banco Central Europeu e receios sobre responsabilidades financeiras no Euroclear.
O Banco Central Europeu alertou que o uso os activos do banco central de outro país podem prejudicar a percepção da Europa como um lugar seguro para armazenar dinheiro e podem levar os países a abandonarem os activos denominados em euros, prejudicando o plano do bloco de aumentar a utilização internacional do euro.
A Euroclear também estava preocupada com o facto de os direitos legais da Rússia aos rendimentos dos seus activos poderia representar um risco financeiro considerável para a empresa.
A secretária do Tesouro dos EUA, Janet L. Yellen, disse ao Congresso no início deste ano que o confisco de activos russos congelados nos Estados Unidos provavelmente exigiria uma mudança na lei americana.
Um representante do Tesouro disse que a administração Biden não planeia seguir a medida da Europa com um imposto sobre os rendimentos dos activos russos que estão congelados nos EUA. No entanto, a Sra. Yellen já manifestou apoio à ideia.
“Olhando para fontes adicionais de assistência, apoio o aproveitamento de receitas extraordinárias provenientes de activos soberanos russos imobilizados em câmaras de compensação específicas e a utilização dos fundos para apoiar a Ucrânia, que o G7 se comprometeu agora a explorar.” Sra. Yellen disse em outubroreferente ao Grupo dos 7 países.
A Comissão Europeia, que anteriormente manifestou preocupação em avançar sozinha, sentiu-se confortável em avançar a proposta após uma reunião do G7 na semana passada. O grupo, incluindo os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, disse que era necessário “progresso decisivo” para direcionar receitas extraordinárias dos ativos russos imobilizados para apoiar a Ucrânia, “consistente com as obrigações contratuais aplicáveis e de acordo com as leis aplicáveis”.
“Reafirmamos que, de acordo com os nossos respetivos sistemas jurídicos, os ativos soberanos da Rússia nas nossas jurisdições permanecerão imobilizados até que a Rússia pague pelos danos que causou à Ucrânia”, afirmou a declaração dos líderes numa reunião virtual do G7 realizada em dezembro.
Alan Rapport relatórios contribuídos.