As palavras “longo aguardado” não fazem justiça ao novo álbum do Cure. Canções de um mundo perdido é um álbum que foi prometido, comentado, divulgado, provocado, desejado, desesperado, imaginado. Os fãs do Cure passaram 16 anos acendendo velas e orando por esta, já que Robert Smith continuou jurando que é issoiiiis perto de terminar. As novas músicas surpreenderam a todos na maratona da turnê mundial do Cure, em 33 países, sem ninguém reclamar que o material precisava de trabalho. Mesmo assim, ele continuou fazendo ajustes no estúdio, prometendo que os resultados valeriam a pena.
Ele não estava mentindo. Canções de um mundo perdido é o épico triunfante e devastador que precisava ser, totalmente o melhor do Cure desde Desintegraçãoenquanto Smith alcança as profundezas de seu coração teia de aranha, mergulhando profundamente na perda e na dor adulta. É um álbum que começa com a frase “Este é o fim de cada música que canto” e termina com “Deixado sozinho sem nada no final de cada música”. No meio, ele escurece.
Mundo Perdido é Smith em seu momento mais emocionalmente turbulento, feito enquanto ele estava de luto pela morte de sua mãe, pai e irmão. Você pode esperar que um álbum trabalhado por tanto tempo soe exigente, mas é uma elegia gótica do rock espacial vividamente propulsiva, dez músicas em cinquenta minutos, chutando com um ataque de banda de sangue puro. O tour de force de 7 minutos “Alone” começa, como fez todas as noites da turnê, em meio a sintetizadores enormes e batidas dramáticas de bateria. Smith olha para os destroços, assombrado pelos “fantasmas de tudo o que fomos”.
Mundo Perdido tem um fluxo narrativo, de “Alone” a “Endsong” – sem desvios pop, sem interlúdios finos. Smith escreveu e arranjou tudo, produzindo e mixando no País de Gales com Paul Corkett, que também co-produziu o disco de 2000 Flores de sangue (e projetou o 1996 Mudanças de humor selvagens). São as paisagens noir do pesadelo adolescente de Pornografia e Desintegraçãomas atualizado em visões de envelhecer, se recuperar de perdas, ver seus sonhos desmoronarem ao longo dos anos – o menino imaginário que se tornou um homem agredido pela realidade.
Há vinte anos, quando criaram a sua jóia auto-intitulada de 2004, eram uma banda de guitarras pós-punk, mesquinha nos teclados, em sintonia com jovens discípulos como a Interpol ou os Yeah Yeah Yeahs. Mas Mundo Perdido vai além A cura, Flores de sangueou o desanimador 2008 4:13 Sonho. É uma conquista completa para o moppet gótico que já cantava “Yesterday I got so old” quando estava na metade dos seus 20 anos.
A voz de Smith soa mais forte e raivosa do que você poderia esperar, sobre um som de bateria surpreendentemente animado, deixando-o rasgar com seu uivo estranho como anjos. Como qualquer um que assistiu à turnê pode atestar, a atual formação do Cure é uma fera imunda do rock vestida de preto. O baterista MVP Jason Cooper acerta em cheio, desistindo das fanfarras marciais em “Endsong”. O mesmo acontece com o guitarrista Reeves Gabrels – ele sempre foi uma presença divisiva em seu papel de longa data como ala de Bowie nos anos 90, e alguns de nós, Ziggyphiles, reclamamos dele desde Tin Machine. Mas ele nasceu para estar no Cure, elevando cada música com seu histrionismo chamativo. Também se destacam o tecladista Roger O’Donnell e o baixista do OG Simon Gallup.
A peça central é a despedida de Smith de seu irmão, “I Can Never Say Goodbye”, com um tema de piano de 8 notas reverberando enquanto ele lamenta: “Algo perverso vem por aqui/Para roubar a vida do meu irmão”. “And Nothing Is Forever” e “A Fragile Thing” são canções de amor atormentadas, com apelos para aguentar (“prometa que estará comigo no final”) sobre os sintetizadores agridoces. “Warsong” evolui de um drone movido a harmônio para um colapso total, alertando: “Tudo o que saberemos são finais amargos”. Tudo se choca com “Endsong”, o final de 10 minutos, quando ele se vê “se perguntando sobre aquele garoto e o mundo que ele chamava de seu/E eu estou lá fora no escuro, me perguntando como fiquei tão velho”.
Mundo Perdido pode ser um dos álbuns de rock mais agonizantemente atrasados da história, elaborado com o habitual desrespeito aos prazos de Smith “você acha que está cansado agora, mas espere até 2024”. Você pode até se perguntar se Smith adiou mais um ano apenas para poder superar Axl por se gabar por ter demorado ainda mais do que Democracia Chinesa. Mas de agora em diante, é apenas o novo álbum do Cure, superando as expectativas a ponto de recalibrar toda a sua história. Ele está de luto por seu mundo perdido. Mas este é um dos mundos musicais mais sedutores que ele já criou – o som de Robert Smith furioso contra a escuridão e se recusando a desistir.