A morte de Aleksei A. Navalny, conforme relatada pelas autoridades em Moscovo na sexta-feira, inaugura um novo ponto de viragem para a Rússia do Presidente Vladimir V. Putin, sublinhando tanto o poder do Kremlin como o potencial de instabilidade que continua a ameaçá-lo.
O anúncio foi feito apenas um mês antes das eleições presidenciais da Rússia, quando o Kremlin tentará retratar os russos como unidos em torno de Putin e da sua candidatura a um quinto mandato. Os analistas esperam que o Kremlin tente aliar a sua vitória eleitoral infalível a novos ganhos na frente de batalha na Ucrânia, onde as forças russas têm tomado a iniciativa contra um exército ucraniano que luta para manter o seu apoio ocidental.
À medida que se aproxima o terceiro ano da guerra, o controlo de Putin sobre a política interna parece quase total, com os seus mais proeminentes opositores sobreviventes na prisão ou no exílio. Os protestos de rua são imediatamente extintos e milhares de russos foram processados por criticarem a guerra.
Oferecendo altos salários aos recrutas militares, o Kremlin conseguiu levar a cabo a sua invasão sem recorrer a um segundo recrutamento militar, o que significa que a maioria dos russos conseguiu continuar com a sua vida quotidiana. As sanções de longo alcance do Ocidente não paralisaram a economia da Rússia.
Mas para alguns analistas, os relatos da morte de Navalny – que os seus assessores disseram temer que fossem provavelmente verdadeiros – são um lembrete de que o poder de Putin pode ser mais tênue do que aparenta.
“Navalny tendia a sentir os pontos vulneráveis, em vez de os criar”, disse um analista político de Moscovo, Mikhail Vinogradov, numa entrevista telefónica na sexta-feira, sugerindo que Putin tinha responsabilidades, como a corrupção, que proporcionavam uma abertura para um adversário oportunista. Vinogradov descreveu as notícias do dia como a morte mais chocante de um político russo na história pós-soviética do país.
Citando a visão generalizada de que o Kremlin foi responsável pela morte de Navalny – que o presidente Biden também afirmou em comentários na tarde de sexta-feira — O Sr. Vinogradov acrescentou que a notícia poderia perturbar ainda mais a classe governante da Rússia. Poderia lembrar disse ele, sobre os extremos extraordinários que o governo faria para silenciar a dissidência. Tal repressão, disse ele, “é sempre uma espécie de experimento”.
O desconforto latente com a guerra de Putin e a sua repressão à oposição tem sido visível repetidamente nos últimos meses, mesmo quando as sondagens continuam a mostrar um apoio generalizado – ou pelo menos aceitação – da invasão da Ucrânia. Houve a surpreendente popularidade de um candidato anti-guerra pouco conhecido para as próximas eleições presidenciais e o movimento das esposas dos soldados mobilizados exigindo o regresso dos seus maridos.
Antes disso, houve a espantosa revolta de 24 horas no Verão passado liderada por Yevgeny V. Prigozhin, uma ameaça que Putin aparentemente abordou, avaliam as agências de inteligência americanas, ao abater o avião do chefe mercenário em Agosto passado. Esse episódio destacou o potencial para a oposição borbulhante a Putin sair do controle a qualquer momento, e a demanda reprimida por parte do público russo por um líder carismático que possa representar uma alternativa.
Uma questão fundamental agora é se o Kremlin segue a morte de Navalny com uma nova rodada de repressão e censura. Mesmo morto, disse a analista política Tatiana Stanovaya na sexta-feira, Navalny representa um problema para o Kremlin.
“Muito dependerá da reação exagerada do regime, o que pode se tornar um problema por si só”, escreveu Stanovaya. “Eles terão que lidar com o legado de Navalny.”
O poder desse legado já estava em exibição poucas horas após a suposta morte de Navalny, enquanto os russos se reuniam para vigílias improvisadas em cidades de todo o mundo e as redes sociais se enchiam de relatos de pessoas na Rússia depositando flores em sua memória.
Em frente à Embaixada da Rússia em Berlim, um ex-consultor do Kremlin que se tornou figura da oposição, Marat Guelman, disse acreditar que a morte de Navalny tinha o potencial de reenergizar os sitiados e díspares grupos de oposição da Rússia.
“Espero”, disse ele, “que na Rússia um herói seja substituído por 100 heróis”.
Tatiana Firsova contribuiu com reportagem.