Home Saúde Ela era a Barbie do Brasil. Agora ela está pedindo desculpas.

Ela era a Barbie do Brasil. Agora ela está pedindo desculpas.

Por Humberto Marchezini


Milhões de brasileiros cresceram assistindo ela na televisão. Seus shows lotaram os maiores estádios da América Latina. Ela tinha sucesso em filmes e músicas, suas próprias bonecas e seu próprio parque de diversões.

Nas décadas de 1980 e 1990, Maria da Graça Xuxa Meneghel, conhecida universalmente como Xuxa (pronuncia-se SHOO-xá), foi a maior estrela da televisão brasileira. Gerações de crianças passaram as manhãs assistindo-a brincar, cantar e dançar por horas em seu popular programa de variedades.

“Eu era uma boneca, uma babá, uma amiga dessas crianças”, disse Xuxa, 60 anos, em uma ampla entrevista. “Uma Barbie daquela época.”

“Ela veio com um carro rosa”, acrescentou. “Eu vim com uma nave espacial rosa.”

Assim como a famosa boneca, Xuxa também é magra, loira, de olhos azuis e branca. Em seu programa infantil, ela costumava usar saias curtas e botas de cano alto ao sair de uma nave espacial estampada com lábios vermelhos gigantes. E assim como a Barbie, ela se tornou um ídolo para seus fãs, que cresceram querendo ser como Xuxa e seu elenco todo branco de dançarinas adolescentes, as “Paquitas”.

Mas agora o Brasil está no meio de uma espécie de cálculo da Barbie na vida real – e Xuxa está no centro disso, graças em parte a uma nova série de documentários sobre ela que se tornou uma sensação nacional e renovou as questões sobre diversidade, beleza padrões e sexualização em seu show.

Muitos, incluindo a própria Xuxa, estão questionando se o ideal estreito que ela representou sempre foi uma força positiva em um país de maioria negra e onde um debate nacional está se formando sobre o que é considerado bonito e quem foi apagado da cultura popular.

“Eu não via isso como errado naquela época. Hoje sabemos que é errado”, disse Xuxa sobre o padrão de beleza que ela retratava para a juventude brasileira.

Durante seu reinado, que coincidiu com a expansão econômica do Brasil, as taxas de cirurgia plástica dispararam para as mais altas do mundo, com muitas indo à faca ainda na adolescência. Mas o Brasil e seus porteiros culturais estão adotando novas definições de beleza que celebram cachos naturais, corpos curvilíneos e tons de pele mais escuros.

A falta de rostos negros nos shows de Xuxa “causou feridas profundas em muitas mulheres no Brasil”, disse Luiza Brasil, que escreveu um livro sobre racismo na cultura, moda e beleza brasileiras.

Na série, Xuxa culpou em grande parte os problemas de seu programa em seu chefe de longa data e na cultura da época. Mas em sua entrevista ao The New York Times, ela assumiu mais responsabilidade e lamentou a marca que isso pode ter deixado em jovens telespectadores que não se parecem com ela. “Deus, que trauma eu coloquei na cabeça de algumas crianças”, disse ela.

“Não fui eu quem fez a ligação”, acrescentou ela. “Mas eu apoiei. Eu assinei.

Quando Xuxa, de 23 anos, conseguiu seu próprio programa infantil nacional em 1986, no ar seis manhãs por semana, ela se tornou um sucesso instantâneo. Seu show reuniu cerca de 200 crianças em um cenário colorido e frenético que apresentava apresentações musicais, competições e mascotes de tamanho humano, como um mosquito chamado Dengue.

A TV “era uma caixinha mágica”, disse Xuxa. “Eu fiz parte dessa magia.”

Como estrela da maior rede de TV do Brasil, a Globo, ela se tornou um dos rostos mais conhecidos do país, apelidada de “A Rainha dos Pequeninos”.

“Tinha muita gente assistindo a mesma coisa”, disse Clarice Greco, professora da Universidade Paulista que estuda a cultura pop brasileira. “Xuxa virou uma franquia.”

Ela se expandiu para música e cinema, vendendo mais de 26 milhões de discos e quase 30 milhões de ingressos de cinema, quebrando recordes de bilheteria no Brasil. E as crianças clamavam para comprar gibis, roupinhas e bonecas de Xuxa, que traziam uma semelhança impressionante para outra loira de plástico.

“Todo mundo ficou hipnotizado com ela”, disse Ana Paula Guimarães, que venceu milhares de outras garotas para se tornar uma Paquita.

Depois de conquistar o Brasil, Xuxa aprendeu espanhol e começou a gravar shows em Buenos Aires e Barcelona. No início da década de 1990, dezenas de milhões de crianças assistiam a seus programas em português e espanhol. Um jornal francês a listou como uma das mulheres mais influentes do mundo, ao lado de Margaret Thatcher. E ela tinha uma série de interesses amorosos famosos, incluindo Pelé e John F. Kennedy Jr.

Em 1993, Xuxa tentou um programa em inglês para conquistar o mercado americano, mas disse que suas dificuldades com o idioma e sua agenda intensa levaram o programa ao fracasso.

Enquanto grande parte de seu público era negra e latina, Xuxa era descendente de imigrantes italianos, poloneses e alemães, lembrando as princesas e bonecas que inundaram a cultura popular nos anos 1980.

“Lá vim eu – branca, loira, alta, pernas longas”, disse ela. “Acho que é provavelmente por isso que funcionou muito, muito bem.”

Nem todo mundo era fã. Alguns reclamaram que Xuxa era muito sexualizada para ser um modelo para as crianças. Antes da televisão infantil, ela havia posado para a Playboy. E acadêmicos e ativistas negros já estavam questionando a falta de diversidade de seu programa assim que se tornou um sucesso, inclusive em um artigo do New York Times de 1990.

Nos últimos anos, a internet dissecou os piores momentos de Xuxa, como dizer que seus telespectadores preferiam Paquitas loiras, usar um cocar indígena e dizer a uma garota que ela perdeu um concurso em seu programa porque “comeu batata frita demais”.

Xuxa disse que lamenta tais comentários, mas acrescentou que o problema maior eram os padrões da época. “Na década de 1980, você não conseguia encontrar uma novela em que a empregada não fosse negra”, disse ela.

“Não é culpa do show da Xuxa”, completou. “O que está em falta é tudo o que nos foi repassado normalmente.”

Xuxa disse que também estava sujeita a ideais de beleza cruéis. “Desde pequena, fui vista como um pedaço de carne”, disse ela. Ela foi instruída a perder peso, forçada a fazer cirurgia plástica e proibida de cortar o cabelo. “Uma boneca tem que ter cabelo comprido”, ela se lembra de ter ouvido.

Quando ela se tornou mãe, ela cortou o cabelo em protesto. “Agora eu não quero mais ser uma boneca,” ela disse, ostentando o corte pixie platinado que ela tem há anos.

Xuxa nunca se viu como feminista, mas se tornou um símbolo do empoderamento feminino mesmo assim. Em seu programa, comandado por uma mulher, ela dizia às garotas que elas podiam conseguir qualquer coisa. E ela administrou um império multimilionário enquanto criava uma filha como mãe solteira. “Nunca pensei em casar, nunca procurei meu Ken”, disse ela.

Para Xuxa, os paralelos com a Barbie não param por aí. “Fomos duas vencedoras, duas mulheres vitoriosas em uma época em que só os homens podiam fazer qualquer coisa”, disse ela. “Acho que isso é mais do que ser feminista.”

Quando Xuxa alcançou a fama, ela se tornou uma ativista acidental.

Ela amava os animais, então falou sobre os direitos dos animais em seu programa. Ela aprendeu a linguagem de sinais, para poder se comunicar com os surdos. E vestida com trajes que evocam a cultura drag, ela se tornou um ídolo na comunidade LGBTQ.

Agora, depois de décadas sob os holofotes, ela disse que entende melhor a influência que exerce e está tentando promover o progresso na representação, racismo e padrões de beleza.

“Comecei defendendo causas sem necessariamente saber que eram causas”, disse ela. “Agora eu realmente quero.”

Na semana passada, em um evento beneficente televisionado, Xuxa subiu em um palco bem iluminado com suas duas sucessoras loiras na televisão infantil brasileira. As três mulheres cantaram canções que ensinaram a milhões enquanto cresciam. Atrás deles, cerca de uma dúzia de dançarinos negros rodopiavam e saltavam no mesmo ritmo.

A performance parecia ser uma exibição de inclusão racial. Mas online, a reação foi rápida, com muitos interpretando a reunião como uma celebração do branqueamento da cultura pop brasileira.

“Essas mulheres ainda são elogiadas como o ideal”, disse a Sra. Brasil, que é negra. “E ainda estamos à margem, longe dessa beleza loira, branca, quase infantil que nos machucou e nos atormentou por tanto tempo.”

Nos últimos anos, a televisão brasileira deu passos em direção a uma maior diversidade. Os papéis principais nas três principais novelas do Brasil são desempenhados por atores negros, e mais programas de notícias e política são apresentados por apresentadores negros.

Xuxa disse que o debate sobre seu impacto a ensinou muito sobre si mesma e sobre a sociedade. “Só aprendemos a acertar quando vemos que estamos no caminho errado”, disse ela. “Então acho que tive que passar por tudo isso para chegar até aqui.”

Jack Nicas contribuiu com reportagens do Rio de Janeiro.



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