SÃO PAULO — É um confronto entre o homem mais rico do mundo e um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
O juiz Alexandre de Moraes ameaçou suspender a gigante de mídia social X em todo o país se seu dono bilionário Elon Musk não cumprir rapidamente uma de suas ordens. Musk respondeu com insultos, incluindo chamar de Moraes de “tirano” e “ditador”.
É o capítulo mais recente na disputa de meses entre os dois homens sobre liberdade de expressão, contas de extrema direita e desinformação. Muitos no Brasil estão esperando e observando para ver se algum dos dois vai piscar.
Qual é a base da ameaça de Moraes?
No início deste mês, X removeu sua representante legal do Brasil sob a alegação de que de Moraes a ameaçou com prisão. Na quarta-feira à noite, às 20h07, horário local (19h07, horário padrão do leste), de Moraes deu à plataforma 24 horas para nomear um novo representante, ou enfrentar um fechamento até que sua ordem seja atendida.
A ordem de De Moraes é baseada na lei brasileira que exige que empresas estrangeiras tenham representação legal para operar no país, de acordo com a assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal. Isso garante que alguém possa ser notificado de decisões legais e esteja qualificado para tomar qualquer ação necessária.
A recusa de X em nomear um representante legal seria particularmente problemática antes das eleições municipais de outubro no Brasil, com uma enxurrada de notícias falsas esperada, disse Luca Belli, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getulio Vargas, uma universidade no Rio de Janeiro. Ordens de retirada são comuns durante campanhas, e não ter alguém para receber notificações legais tornaria o cumprimento oportuno impossível.
“Até a semana passada, 10 dias atrás, havia um escritório aqui, então esse problema não existia. Agora não há nada. Veja o exemplo do Telegram: o Telegram não tem um escritório aqui, tem cerca de 50 funcionários no mundo todo. Mas tem um representante legal”, disse Belli, que também é professor na faculdade de direito da universidade, à The Associated Press.
Um único juiz realmente tem tanto poder?
Qualquer juiz brasileiro tem autoridade para impor o cumprimento de decisões. Tais medidas podem variar de ações brandas, como multas, a penalidades mais severas, como suspensão, disse Carlos Affonso Souza, advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade, um think tank sediado no Rio.
Juízes brasileiros solitários fecharam o WhatsApp da Meta, o aplicativo de mensagens mais usado do país, várias vezes em 2015 e 2016 devido à recusa da empresa em atender às solicitações da polícia por dados do usuário. Em 2022, de Moraes ameaçou o aplicativo de mensagens Telegram com um fechamento nacional, argumentando que ele havia ignorado repetidamente as solicitações das autoridades brasileiras para bloquear perfis e fornecer informações. Ele ordenou que o Telegram nomeasse um representante local; a empresa finalmente obedeceu e permaneceu online.
Affonso Souza acrescentou que a decisão de um juiz individual de encerrar uma plataforma com tantos usuários provavelmente será avaliada posteriormente pelo plenário do Supremo Tribunal Federal.
Como de Moraes suspenderia X?
De Moraes primeiro notificaria a agência reguladora de telecomunicações do país, a Anatel, que então instruiria as operadoras — incluindo a provedora de serviços de internet Starlink de Musk — a suspender o acesso dos usuários ao X. Isso inclui impedir a resolução do site do X — o termo para conversão de um nome de domínio em um endereço IP — e bloquear o acesso ao endereço IP dos servidores do X de dentro do território brasileiro, de acordo com Belli.
Considerando que os operadores estão cientes do impasse amplamente divulgado e de sua obrigação de cumprir uma ordem de Moraes, além do fato de que isso não é complicado, X pode ficar offline no Brasil em até 12 horas após receber suas instruções, disse Belli.
Como o X é amplamente acessado por celulares, de Moraes também deve notificar as principais lojas de aplicativos para que parem de oferecer o X no Brasil, disse Affonso Souza. Outra medida possível — mas altamente controversa — seria proibir o acesso com redes privadas virtuais (VPNs) e impor multas àqueles que as usam para acessar o X, ele acrescentou.
O X foi fechado em outros países?
O X e sua antiga versão, o Twitter, são proibidos em vários países — principalmente em regimes autoritários como Rússia, China, Irã, Mianmar, Coreia do Norte, Venezuela e Turcomenistão.
A China baniu o X quando ele ainda era chamado de Twitter em 2009, junto com o Facebook. Na Rússia, as autoridades expandiram sua repressão à dissidência e à mídia livre depois que o presidente russo Vladimir Putin enviou tropas para a Ucrânia em fevereiro de 2022. Eles bloquearam vários veículos de mídia independentes de língua russa que criticavam o Kremlin e cortaram o acesso ao Twitter, que mais tarde se tornou X, bem como ao Facebook e Instagram do Meta.
Em 2009, o Twitter se tornou uma ferramenta essencial de comunicação no Irã depois que o governo do país reprimiu a mídia tradicional após uma eleição presidencial disputada. Iranianos experientes em tecnologia recorreram ao Twitter para organizar protestos. O governo posteriormente baniu a plataforma, junto com o Facebook.
Outros países, como Paquistão, Turquia e Egito, também suspenderam temporariamente o X antes, geralmente para reprimir dissidência e agitação. O Twitter foi banido no Egito após as revoltas da Primavera Árabe, que alguns apelidaram de “revolução do Twitter”, mas foi restaurado desde então.
Por que o Brasil é tão importante para X e Musk?
O Brasil é um mercado-chave para o X e outras plataformas. Cerca de 40 milhões de brasileiros, aproximadamente um quinto da população, acessam o X pelo menos uma vez por mês, de acordo com o grupo de pesquisa de mercado Emarketer. Musk, um autointitulado “absolutista da liberdade de expressão”, afirmou que as ações de Moraes equivalem à censura e angariou apoio da direita política brasileira. Ele também disse que quer que sua plataforma seja uma “praça global” onde as informações fluam livremente. A perda do mercado brasileiro — a quarta maior democracia do mundo — tornaria mais difícil atingir esse objetivo.
O Brasil também é um mercado com potencial de grande crescimento para a empresa de satélites de Musk, a Starlink, dado seu vasto território e serviço de internet irregular em áreas remotas.
Na tarde de quinta-feira, a Starlink disse no X que de Moraes congelou suas finanças esta semana, impedindo-a de fazer qualquer transação no país, onde tem mais de 250.000 clientes.
“Esta ordem é baseada em uma determinação infundada de que a Starlink deve ser responsável pelas multas cobradas — inconstitucionalmente — contra X. Ela foi emitida em segredo e sem dar à Starlink qualquer um dos devidos processos legais garantidos pela Constituição do Brasil. Pretendemos abordar o assunto legalmente”, disse a Starlink em sua declaração.
Musk respondeu às pessoas que compartilharam os relatos anteriores do congelamento, acrescentando seus próprios insultos direcionados a de Moraes.
“Esse cara, @Alexandre, é um criminoso da pior espécie, se passando por juiz”, escreveu ele.
Os defensores de Moraes disseram que suas ações foram legais, apoiadas pela maioria dos membros do tribunal e serviram para proteger a democracia em um momento em que ela está ameaçada.
Em abril, de Moraes incluiu Musk como alvo em uma investigação em andamento sobre a disseminação de notícias falsas e abriu uma investigação separada sobre o executivo por suposta obstrução.
X nomeará um novo representante legal no Brasil?
A X disse em um comunicado na quinta-feira que espera que seu serviço seja encerrado no Brasil.
“Ao contrário de outras plataformas de mídia social e tecnologia, não cumpriremos em segredo ordens ilegais”, disse. “Para nossos usuários no Brasil e ao redor do mundo, a X continua comprometida em proteger sua liberdade de expressão.”
Ele também disse que os colegas de Moraes na Suprema Corte “não estão dispostos ou não conseguem enfrentá-lo”.