Os julgamentos antitruste estão repletos de longos trechos de depoimentos detalhados, muitas vezes tediosos, pontuados por momentos reveladores. No julgamento antitruste do Google, que durou dois meses e está chegando ao fim, um desses momentos ocorreu em uma breve troca de ideias em outubro.
Ao interrogar uma testemunha do Departamento de Justiça, John Schmidtlein, principal advogado do Google, tentou descrever como esse processo diferia do histórico caso antitruste movido contra a Microsoft na década de 1990. As barreiras à concorrência nas buscas hoje, disse Schmidtlein, são menos assustadoras do que o domínio da Microsoft sobre software de computador pessoal.
O juiz o interrompeu. “Vamos seguir em frente”, disse o juiz Amit P. Mehta, que escreveu num parecer no início do ano que usaria o caso da Microsoft como quadro orientador. “Acho que posso descobrir do que se tratava o caso da Microsoft.”
A luta antitruste contra a Microsoft na década de 1990 pairou sobre o confronto do governo com o Google. O Departamento de Justiça e um grupo de estados dizem que o gigante das buscas está executando o manual de monopólio da Microsoft, apenas em um mercado de tecnologia diferente, enquanto o Google argumenta que não é tão poderoso quanto a Microsoft era antigamente.
O caso antitrust da Microsoft é também o único exemplo de como o governo iniciou – e venceu – um processo abrangente contra um gigante tecnológico por proteger ilegalmente o seu monopólio. A Microsoft combinou práticas antigas, como intimidar parceiros da indústria para reprimir a concorrência, com ideias mais recentes em economia.
Uma dessas novas ideias incluía a dinâmica dos mercados digitais, que reforçam o poder de uma empresa dominante. Nos mercados tecnológicos, pode haver um poderoso “efeito de rede” à medida que um produto ou serviço se torna mais valioso à medida que mais pessoas o utilizam, atraindo ainda mais utilizadores e investimento. Uma vez em uma plataforma digital, os usuários tendem a não mudar. Estes conceitos de economia da plataforma digital são cruciais para o caso Google.
Embora a eventual decisão do Juiz Mehta, que foi nomeado pelo Presidente Barack Obama, dependa em grande parte da sua avaliação dos factos e das provas apresentadas no julgamento, a sua decisão também deve basear-se nos precedentes estabelecidos por casos anteriores.
“A Microsoft é o seu roteiro jurídico”, disse Andrew I. Gavil, especialista antitruste e professor de direito na Howard University.
O depoimento no julgamento, que começou em setembro, deverá terminar no Dia de Ação de Graças. A decisão do juiz – um julgamento de bancada, sem júri – ocorrerá no próximo ano.
O argumento do governo centra-se no poder dos dados e na noção de que o negócio das pesquisas é um volante em aceleração, que se torna uma barreira intransponível aos rivais. Mais usuários geram mais dados para treinar os algoritmos de busca do Google, melhorando a qualidade de sua busca, atraindo mais usuários e anunciantes.
Os dados são importantes, disseram os advogados do Google, mas têm retornos decrescentes. O Bing, da Microsoft, por exemplo, tem muitos dados, mas o Google é o líder em busca, devido ao seu maior investimento em pessoas inteligentes para criar software melhor. Sua defesa tem sido em grande parte um desfile de engenheiros e executivos da empresa testemunhando o tempo, o trabalho e o dinheiro investidos no aprimoramento de seu mecanismo de busca.
Num outro eco da luta antitrust da Microsoft, os contratos que a Google assinou com outras empresas tecnológicas para proteger os seus negócios surgiram como uma parte fundamental do julgamento. Em ambos os casos, o governo disse que os contratos eram ilegais.
Os contratos da Microsoft eram acordos com fabricantes de computadores pessoais e serviços de Internet para não oferecer software de navegação da Netscape, o líder inicial. A Microsoft temia que o navegador – uma camada de software sobre o sistema operacional da Microsoft – pudesse minar o poderoso domínio que seu software Windows tinha sobre a indústria de tecnologia.
Os contratos da Microsoft eram do tipo pegar ou largar. Os fabricantes de PCs temiam que a Microsoft pudesse se recusar a dar-lhes acesso ao seu software de desktop Windows ou cobrar mais por isso. O Windows dominou o mercado de PCs e serviu como porta de entrada para a Internet antes dos smartphones.
Os contratos do Google são diferentes. Eles envolvem grandes pagamentos à Apple, Samsung, Mozilla e outros para tornar o Google o mecanismo de busca em destaque em seus dispositivos e navegadores. O Google pagou US$ 26,3 bilhões por esses acordos de pagamento por inadimplência em 2021, revelou a empresa em depoimento. O governo argumenta que o Google pagou muito para excluir ilegalmente concorrentes e potenciais rivais, comprando efetivamente grande parte do mercado de buscas e acumulando ainda mais dados.
“Então o Google fez isso com cenouras em vez de castigos”, disse Harry First, especialista antitruste da Faculdade de Direito da Universidade de Nova York. A certa altura do julgamento, o juiz Mehta classificou os acordos de pagamento inadimplentes como o “coração do caso”.
O Google argumenta que compete de forma justa pelos acordos padrão, que seus pagamentos aos fabricantes de dispositivos podem reduzir os custos para os consumidores, que torna mais fácil para os usuários mudarem de mecanismo de busca – e que seu controle no mercado é insignificante em comparação com o estrangulamento da Microsoft no mercado. Era dos PCs.
Os especialistas antitrust acrescentam que a campanha da Microsoft tinha como objectivo principal sufocar um potencial rival e que tinha pouca justificação pró-competitiva para os seus actos.
“A conduta foi mais dura na Microsoft; é mais sutil com o Google”, disse Herbert Hovenkamp, professor da Faculdade de Direito Carey da Universidade da Pensilvânia.
Se o governo e os estados prevalecerem no caso do Google, a questão será: o que o juiz Mehta determinará como a solução apropriada?
A fase de reparação ocorre depois de um juiz decidir que houve uma violação e, em seguida, determinar que medidas devem ser tomadas para tentar restaurar a concorrência. Isso poderia envolver outra rodada de audiências judiciais, com depoimentos de ambos os lados.
Proibir os acordos de pagamento por inadimplência seria um passo óbvio e refletiria o resultado do caso da Microsoft. No final, a Microsoft foi proibida de fazer acordos exclusivos que frustrassem a concorrência e foi obrigada a divulgar mais informações técnicas a potenciais rivais.
Já existem apelos a sanções mais fortes para incentivar a concorrência desta vez. Tim Wu, professor de direito na Universidade de Columbia e ex-funcionário de política tecnológica na administração Biden, pede que o Google desmembre seu navegador Chrome, um importante canal de distribuição de seu mecanismo de busca, além de proibir os acordos de pagamento do Google.
No entanto, o juiz Mehta seria necessariamente guiado por precedentes legais – e, acima de tudo, pela Microsoft.
“O governo elaborou este caso para se parecer tanto com a Microsoft quanto possível”, disse First, da Universidade de Nova York. “Ultrapassar os limites na fase de solução seria um verdadeiro desafio.”