A versão original de essa história apareceu em Revista Quanta.
Nas últimas décadas, a neurociência tem visto alguns avanços impressionantes, mas uma parte crítica do cérebro permanece um mistério. Refiro-me ao cerebelo, assim chamado em homenagem à palavra latina que significa “pequeno cérebro”, que está situado como um coque na parte de trás do cérebro. Este não é um pequeno descuido: o cerebelo contém três quartos de todos os neurónios do cérebro, que estão organizados num arranjo quase cristalino, em contraste com o emaranhado de neurónios encontrado noutros locais.
Artigos da enciclopédia e os livros didáticos ressaltam o fato de que a função do cerebelo é controlar os movimentos do corpo. Não há dúvida de que o cerebelo tem essa função. Mas os cientistas suspeitam agora que esta visão de longa data é míope.
Ou foi o que aprendi em novembro em Washington, DC, enquanto participava do Reunião anual da Sociedade de Neurociências, o maior encontro de neurocientistas do mundo. Lá, uma dupla de neurocientistas organizou um simpósio sobre funções recém-descobertas do cerebelo não relacionadas ao controle motor. Novas técnicas experimentais mostram que, além de controlar o movimento, o cerebelo regula comportamentos complexos, interações sociais, agressão, memória de trabalho, aprendizagem, emoção e muito mais.
Uma Rachadura na Sabedoria Dominante
A ligação entre o cerebelo e o movimento é conhecida desde o século XIX. Pacientes que sofreram trauma na região cerebral apresentavam dificuldades óbvias de equilíbrio e movimento, não deixando dúvidas de que isso era fundamental para a coordenação do movimento. Ao longo das décadas, os neurocientistas desenvolveram uma compreensão detalhada de como o circuito neural único do cerebelo controla a função motora. A explicação de como o cerebelo funcionava parecia inequívoca.
Então, em 1998, na revista Cérebroneurologistas relataram amplas deficiências emocionais e cognitivas em pacientes com danos ao cerebelo. Por exemplo, em 1991, uma estudante universitária de 22 anos caiu enquanto patinava no gelo; uma tomografia computadorizada revelou um tumor em seu cerebelo. Depois que foi removido cirurgicamente, ela era uma pessoa completamente diferente. A brilhante estudante universitária havia perdido a capacidade de escrever com proficiência, fazer aritmética mental, nomear objetos comuns ou copiar um diagrama simples. Seu humor diminuiu. Ela se escondeu debaixo das cobertas e se comportou de maneira inadequada, despindo-se nos corredores e falando em linguagem de bebê. Suas interações sociais, incluindo o reconhecimento de rostos familiares, também foram prejudicadas.
Este e outros casos semelhantes confundiram os autores. Acreditava-se que essas funções cognitivas e emocionais de alto nível residiam no córtex cerebral e no sistema límbico. “Precisamente qual é esse papel cerebelar e como o cerebelo o realiza ainda não foi estabelecido”, concluíram.
Apesar destas pistas provenientes de estudos clínicos de que a sabedoria convencional estava no caminho errado, as principais autoridades ainda insistiam que a função do cerebelo era controlar o movimento e nada mais. “É um pouco triste, porque já se passaram 20 anos” desde que esses casos foram notificados, disse Diasynou Fioravanteneurofisiologista da UC Davis, que co-organizou o simpósio da conferência.
Outros neurologistas notaram déficits neuropsiquiátricos em seus pacientes o tempo todo, disse o neurocientista Stéphanie Rodolfo da Faculdade de Medicina Albert Einstein, que co-organizou o simpósio com Fioravante. No entanto, não havia nenhuma evidência anatômica concreta de como o circuito neural único do cerebelo poderia regular as funções psicológicas e emocionais relatadas, de modo que os relatórios clínicos foram ignorados.