Home Saúde As cidades estão na linha de frente da “crise climática e sanitária”. Um novo relatório fornece uma estrutura para lidar com seus efeitos

As cidades estão na linha de frente da “crise climática e sanitária”. Um novo relatório fornece uma estrutura para lidar com seus efeitos

Por Humberto Marchezini


EA Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que o calor extremo mata quase meio milhão de pessoas a cada ano — mais do que guerra, terrorismo e desnutrição combinados. Esse número provavelmente aumentará à medida que o clima se torna mais quente e menos previsível.

Mas as ameaças à saúde pública impostas pelas mudanças climáticas vão muito além do calor extremo. Chuvas históricas e temperaturas crescentes estão causando surtos de malária, cólera e dengue, e expandindo essas doenças para novas regiões. Enquanto isso, a poluição do ar por incêndios florestais tem sido associada a tudo, desde câncer até doenças cardíacas.

Esses efeitos serão sentidos mais intensamente pelos moradores das cidades, onde o concreto absorve e reemite calor, e maiores densidades populacionais permitem que patógenos se espalhem mais facilmente. Apesar de quase 70% dos líderes das cidades reconhecerem ameaças à saúde relacionadas ao clima, e mais de 90% relatarem perdas econômicas de tais eventos, menos de um terço das cidades tem um plano de resiliência que integra clima e saúde, de acordo com um novo relatório produzido pela Fundação Rockefeller, compartilhado exclusivamente com a TIME.

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Com o apoio da Fundação Rockefeller, a Urban Pulse Initiative entrevistou 191 líderes municipais e da sociedade civil de 118 cidades em 52 países, como parte de uma colaboração entre a Universidade de Yale e a Resilient Cities Network.

“Embora (as cidades) sejam particularmente vulneráveis, elas também estão lamentavelmente despreparadas para o que está por vir”, diz Naveen Rao, vice-presidente sênior da Iniciativa de Saúde da Fundação Rockefeller, que liderou o desenvolvimento do relatório em parceria com o thinktank Global Nation. A Fundação está comprometendo US$ 1 milhão para o C40 Cities Climate Leadership Group, uma rede global de quase 100 prefeitos, para apoiar a implementação da estratégia de clima e saúde de três frentes que ela descreve no relatório.

O relatório destaca cidades individuais que usam abordagens inovadoras para minimizar os riscos de saúde causados ​​pelo clima. Essas histórias de sucesso isoladas podem mostrar um caminho a seguir para outras cidades que enfrentam o que o relatório chama de “crise de clima e saúde”.

“O primeiro ponto (da estratégia) é colaborar os dados climáticos/meteorológicos com os dados de saúde”, diz Rao. “Existem outras agências que vivem e morrem por dados meteorológicos”, explica Rao, citando aviação e agricultura. E embora a OMS e a Organização Meteorológica Mundial (OMM) tenham colaborado estreitamente por cerca de uma década, a integração no nível local é rara.

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Uma cidade que está dando passos largos nessa área é o Rio de Janeiro. Ao integrar dados de saúde e meteorológicos, o Rio desenvolveu um sistema de alerta precoce para a dengue, uma doença viral transmitida por mosquitos, apelidada de “febre quebra-ossos” por suas dores debilitantes.

Durante o inverno do Rio, quando o clima é geralmente mais frio e seco, os casos de dengue diminuem. Mas em 2023 — um dos invernos mais amenos do Rio — os casos de dengue permaneceram anormalmente altos. Em setembro, o Centro de Inteligência Epidemiológica da cidade, uma equipe criada em 2022 com apoio meteorológico do governo municipal da cidade, alertou as autoridades de saúde de que a iminente estação chuvosa poderia criar condições ideais para um surto.

“Conseguimos ver onde o número de casos estava crescendo, onde eles estavam concentrados”, diz Gislani Mateus, que é superintendente de vigilância sanitária da secretaria municipal de saúde do Rio. A modelagem epidemiológica, que usou dados meteorológicos, números de casos e dados de população de mosquitos de uma rede de mais de 2.500 armadilhas, foi usada “para direcionar esforços para controlar tanto os mosquitos quanto os cuidados de saúde”, diz Mateus. A estratégia evoluiria para o Centro de Operações de Emergência da Dengue em fevereiro passado, quando a cidade declarou uma epidemia de dengue.

Embora a equipe não tenha evitado a epidemia, seus modelos previram um pico de casos de dengue dois meses antes do previsto pelos modelos epidemiológicos tradicionais. Consequentemente, o Rio se saiu melhor do que outras cidades no sudeste do Brasil e registrou sua menor taxa de mortalidade por uma epidemia de dengue. Mateus diz que eles agora estão trabalhando com o Ministério da Saúde do Brasil para implementar a estratégia em outros lugares.

Outra cidade que usa modelagem preditiva contra a dengue é Bangalore, Índia, onde uma equipe usou dados climáticos e de saúde para fazer previsões de surtos baseadas em IA no nível distrital. Mas a grande maioria, 77% das cidades, não usa dados meteorológicos em sistemas de vigilância de saúde, e replicar o sucesso do Rio requer mais do que modelagem preditiva.

“Com as mudanças climáticas, é cada vez mais importante termos essa união entre clima e saúde na nossa análise epidemiológica”, diz Mateus. “Mas também é fundamental termos serviços de saúde pública com números suficientes para atender a população.”

O relatório descreve um segundo aspecto crucial para a preparação da cidade: garantir que especialistas em áreas como mudanças climáticas, saúde, planejamento urbano e transporte estejam se coordenando proativamente antes que o desastre aconteça. “Um alarme de fumaça disparando não faz sentido sem um carro de bombeiros”, diz Rao. Sem essa colaboração, mesmo as melhores previsões não se traduzirão em intervenções de saúde pública oportunas e eficazes.

Outra cidade que o relatório identifica como transformando alertas em ações é Dhaka, Bangladesh. Em 2022, a Bangladesh Red Crescent Society (BDRCS) fez parceria com outras organizações e agências governamentais para implementar um protocolo de ação precoce baseado em dados para responder a ondas de calor. O protocolo define pontos de gatilho claros com base em limites de temperatura.

O plano foi aprovado pela Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, dando à BDRCS acesso a financiamento pré-estabelecido para apoiar esforços de resposta rápida quando esses limites fossem ultrapassados, diz Shahjahan Saju, que é diretor assistente e coordenador de projeto da iniciativa de financiamento com base em previsões da BDRCS.

Em abril, Dhaka foi atingida por sua mais longa onda de calor registrada na história. Mas a previsão de temperatura significava que a cidade estava preparada para responder antes que as temperaturas atingissem seu pico, com esforços como distribuir 3.500 guarda-chuvas, fornecer água para 30.000 recipientes e oferecer alívio do calor para 15.000 pessoas por meio de três estações de resfriamento dedicadas, diz Saju. A OMS e a OMM estimam que escalar um sistema de alerta como esse poderia evitar quase 100.000 mortes por ano.

Os sistemas de alerta precoce são um caso de “fruto fácil de colher”, diz Celeste Saulo, secretária-geral da OMM, observando que muitas cidades já coletam as informações necessárias sobre saúde e clima.

“Trata-se de conectar essas diferentes fontes de informação de uma forma que seja possível emitir um alerta precoce”, diz ela.

Enquanto Dhaka e Rio mostram o quão eficaz a ação precoce pode ser, uma questão-chave permanece: como fazer com que milhões de moradores urbanos sigam os conselhos de saúde pública? Entra o terceiro ponto da estratégia do relatório: comunicação eficaz. A cidade de Lusaka, a capital em expansão da Zâmbia, encontrou maneiras inovadoras de cortar o ruído e fornecer informações e serviços que salvam vidas quando mais importava.

Em outubro, o Instituto Nacional de Saúde Pública da Zâmbia relatou um surto de cólera em Lusaka, que foi atingida por inundações e secas. Em janeiro, a taxa de mortalidade atingiu 4%, quatro vezes o limite da OMS. Rachel James, coordenadora de comunicação de risco interinstitucional e engajamento comunitário do Collective Service, uma parceria entre a FICV, a UNICEF e a OMS, lembra-se de caminhar pelas ruas com água na altura dos joelhos. “É quando se torna muito real.”

A alta taxa de mortalidade foi, em parte, devido a percepções de risco imprecisas, desinformação e barreiras ao acesso a serviços de saúde. “Para entender melhor quais eram as percepções da comunidade”, o Serviço Coletivo visitou comunidades, “conversando com pessoas que sobreviveram à cólera, conversando com as famílias de pessoas que morreram e apenas pessoas nos distritos onde há muitos casos”, diz James. Essas informações foram compartilhadas com o Ministério da Saúde da Zâmbia e parceiros para informar como eles se comunicaram, contribuindo para uma absorção de 100% das vacinas contra a cólera, ela acrescenta.

O envolvimento da comunidade também revelou as barreiras que impedem as pessoas de acessar cuidados de saúde, como a falta de transporte. Em resposta, o Ministério da Saúde da Zâmbia e a UNICEF financiaram conjuntamente sete ambulâncias. Pontos de coleta também foram estabelecidos para fornecer soluções de reidratação oral para aqueles que não precisavam de transporte para uma unidade de saúde, diz James.

Em vez de esperar até o meio de uma emergência, o relatório da Fundação Rockefeller ressalta a importância de desenvolver estratégias de comunicação “sempre ativas”. “Foi por causa do nosso trabalho que já estávamos fazendo com a Fundação Rockefeller no país que fomos capazes de responder imediatamente”, diz Maureen Mckenna, que é coordenadora global do Serviço Coletivo. “Já estávamos trabalhando na Zâmbia, estabelecendo mecanismos de comunicação de risco e engajamento comunitário para sermos capazes de responder imediatamente a emergências de saúde.”

Além de fornecer uma estrutura para líderes e formuladores de políticas da cidade, o relatório diz que intervenções que melhoram a resiliência dos sistemas de saúde às mudanças climáticas trazem “imensos benefícios econômicos”. Estimativas iniciais da consultoria de pesquisa e análise de dados Mathematica, encomendada pela Fundação Rockefeller, descobriram que a preparação direcionada para ondas de calor em Dhaka poderia gerar benefícios à saúde quase sete vezes maiores do que o custo em termos de vidas salvas. No entanto, menos de 5% do financiamento climático vai para a adaptação, de acordo com o Iniciativa de Política ClimáticaRao diz que apenas uma fração disso vai para iniciativas focadas na saúde.

“Precisamos manter o foco na mitigação, porque não podemos nos adaptar para sair desse problema”, diz Rao, observando que aqueles “que menos fizeram para causar esse problema, a mudança climática, são os que mais sofrem”.

Em dezembro passado, na COP28, governos e outras partes interessadas comprometeram US$ 1 bilhão para a crise climática e de saúde, incluindo US$ 100 milhões da Fundação Rockefeller, no primeiro Dia da Saúde da conferência. Mas isso está bem aquém dos US$ 11 bilhões a cada ano que Rao diz serem necessários para que países de baixa e média renda se adaptem aos impactos climáticos e de saúde. “O que precisa manter tudo isso unido é mais financiamento.”



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