Em uma manhã clara de janeiro de 2020, o voo 752 da Ukraine Airlines foi atingido por dois mísseis iranianos apenas três minutos depois de deixar um aeroporto em Teerã, matando todos os 176 passageiros.
Desde então, as famílias das vítimas pediram uma explicação credível, mas foram rejeitadas pelas autoridades iranianas. Na quarta-feira, quatro dos países cujos cidadãos morreram no desastre entraram com uma ação no Tribunal Internacional de Justiça em Haia, solicitando que o Irã preste contas completas, reconheça sua responsabilidade e pague “indenização integral” pelos danos materiais e morais.
As quatro partes no processo – Grã-Bretanha, Canadá, Suécia e Ucrânia – afirmam que o Irã falhou “em conduzir uma investigação criminal imparcial, transparente e justa”, mas em vez disso “reteve ou destruiu provas” e “ameaçou e assediou as famílias dos vítimas”.
O Irã não teve uma resposta imediata ao processo.
Para os familiares, que há muito reclamam que o caso está sendo ignorado, o processo significou um primeiro dia simbólico no tribunal; ou melhor, no mais alto foro judicial das Nações Unidas, com sede em Haia, que dirimi disputas entre nações e não é um tribunal criminal.
As famílias não receberam resposta a uma queixa que apresentaram anteriormente no Tribunal Penal Internacional, também em Haia, que atualmente lida com investigações de crimes de guerra na Ucrânia.
“Precisamos descobrir toda a verdade, antes de mais nada”, disse Kourosh Doustshenas, que perdeu a noiva no acidente e dirige uma associação de famílias das vítimas do voo 752.
“Esta é a única maneira de as famílias encontrarem um desfecho”, disse ele por telefone de Winnipeg, Canadá. “Não queremos discussão sobre dinheiro, sobre compensação até que o regime de Teerã admita a verdade sobre o abate do avião.”
De acordo com o direito internacional, a investigação de um desastre aéreo é conduzida pelo país onde a aeronave caiu. Isso deixou os militares iranianos em posição de examinar suas próprias ações, um evidente conflito de interesses que atraiu amplas críticas.
Em abril, o Tribunal Militar de Teerã julgou 10 oficiais de baixo escalão ligados à derrubada e condenou sentenças que variam de um a três anos por indisciplina. Ele disse que o operador do míssil foi condenado a 13 anos por negligência criminosa causando a morte.
Os quatro países que apresentaram a ação disseram em comunicado que os nomes e as provas do caso foram retidos e descartaram o exercício como um “julgamento simulado”.
Relatórios do Canadá, que teve o maior número de vítimas, e do relator especial da ONU sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, citaram inconsistências, contradições e ofuscamentos por parte das autoridades iranianas, dizendo que ignoraram algumas perguntas e ofereceram respostas incompletas a outras.
A queda do avião em 8 de janeiro de 2020 ocorreu em meio ao aumento das tensões entre o Irã e os Estados Unidos após a morte do principal comandante de segurança iraniano, major-general Qassim Suleimani, por um ataque de drones dos EUA no aeroporto de Bagdá.
Horas antes de o avião ser abatido, o Irã disparou mísseis contra duas bases militares dos EUA no Iraque em retaliação pela morte do general Suleimani. Após dias negando, as autoridades iranianas reconheceram que a derrubada foi resultado de “erro humano”, provocando protestos furiosos em todo o Irã.
A princípio, o Irã insistiu que o avião sofreu uma falha mecânica catastrófica. Mas surgiram evidências de que o avião havia sido atingido por dois mísseis. Em seguida, altos oficiais militares reconheceram que os mísseis haviam sido disparados contra o avião e culparam o erro por uma falha nas comunicações e pelas ações de alguém no solo que foi avisado sobre a chegada de um míssil americano.
Mas a relatora da ONU, Agnes Callamard, e muitas famílias das vítimas sugeriram outro relato.
“As inconsistências na explicação oficial e a natureza imprudente dos erros levaram muitos, inclusive eu, a questionar se a queda do voo PS752 foi intencional”, escreveu Callamard em seu relatório de 2001. A versão dos eventos do Irã, publicada em julho de 2020, ela escreveu, com suas “múltiplas reivindicações e histórias criam o máximo de confusão” e parecia destinada a “enganar de uma ou mais maneiras”.
Alguns parentes das vítimas dizem estar convencidos de que as ordens para derrubar o avião foram emitidas para criar um desastre humanitário perturbador que afastaria as ações americanas.
Eles apontam para uma investigação de dois anos encomendada pela associação das famílias das vítimas, que dizem revelar o esforço do Irã para esconder seus motivos. O inquérito observa que Teerã levou sete meses para entregar os gravadores de dados de voo, ou caixas-pretas, e que mesmo assim faltaram 16 minutos. Um técnico que examinou um computador e smartphones devolvidos às famílias das vítimas descobriu que eles haviam sido arrombados e suas funções de memória danificadas, diz o relatório.
Hamed Esmaeillon, que perdeu a esposa e a filha de 9 anos no acidente, disse que está determinado a continuar trabalhando para chegar à verdade. “Esta é a luta da minha vida”, disse ele. “Perdi tudo no acidente. Minha esposa e filha foram colocadas em um caixão com a palavra ‘mártir’ nele. O regime estava tentando apresentar suas mortes como um ato de lealdade”.